Manter um padrão de sono regular pode ajudar a proteger o coração

Manter um padrão de sono regular pode ajudar a proteger o coração

Estudo observacional com 1,9 mil participantes destaca a importância da regularidade do padrão de sono para a prevenção de doenças cardiovasculares.

Manter um padrão de sono adequado, tanto o início quanto a duração do sono regulares, parece ser um fator importante também para a saúde do coração. Isso é o que mostrou uma interessante análise da mundialmente conhecida coorte do estudo MESA (Multi-Ethnic Study of Atherosclerosis), publicada no Journal of the American College of Cardiology (JACC), em março de 2020*. 

Com o objetivo de avaliar prospectivamente a associação entre regularidade do sono e risco de eventos cardiovasculares, o trabalho selecionou 1.992 indivíduos adultos, recrutados de seis centros americanos com representatividade de diferentes etnias, sem histórico de doenças cardiovasculares no início do estudo. 

Amostra e metodologia 

Do total de 1.992 participantes, homens representavam 45-47% da amostra pesquisada, com idade média de 69 anos, IMC entre 28-29 kg/m2, média de tabagismo de oito anos e índice de apneia-hipopneia entre 19-21,5 eventos/h. A maioria dos pacientes não trabalhava (56- 58%) e, entre os que trabalhavam, o regime mais frequente era o diurno, em torno de 27-33%. 

Inicialmente, o sono das pessoas foi monitorado por sete dias, por meio de actigrafia do pulso, para entender a rotina do sono delas em uma semana típica. “Os autores verificaram que, quanto maior era a irregularidade da duração do sono ao longo dos sete dias, especialmente quando atingia duas horas ou mais de variação, e a variabilidade para o início do sono, principalmente 1,5 horas ou mais de variação, maiores eram as chances de desenvolver eventos cardiovasculares após quase cinco anos de seguimento médio do estudo”, explica o cardiologista Dr. Luciano Drager, professor associado do Departamento de Clínica Médica da FMUSP, vice-presidente da ABMS (Associação Brasileira de Medicina do Sono) e diretor científico da SOCESP (Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo).

 Ao longo de 4,9 anos e por meio de entrevistas telefônicas, checagem de prontuários a cada 9-12 meses e análise de atestados de óbito, os participantes foram acompanhados para registro de informações sobre ocorrência de eventos cardiovasculares fatais e não fatais. Os pesquisadores não interferiram em outros tratamentos que os pacientes estavam fazendo, por exemplo, para diabetes, colesterol alto ou outras condições de saúde. 

Resultados

Após o período de observação, 111 indivíduos do total dos participantes apresentaram eventos cardiovasculares, sendo relatados 35 infartos do miocárdio não fatais, 16 mortes por doença isquêmica do coração, 30 acidentes vasculares cerebrais (AVC), 17 outros eventos  coronarianos e 13 outros eventos ateroscleróticos ou mortes cardiovasculares.

Neste estudo, foi realizada uma análise de correlação entre a ocorrência de eventos e o padrão do sono, em especial à variabilidade do tempo de sono e tempo para adormecer. “Apesar da pequena ocorrência de eventos, o estudo realizou uma correção para fatores que poderiam influenciar os resultados, como diferenças nas características demográficas e clínicas dos pacientes”, explica o cardiologista Dr. Bruno Caramelli, professor associado do Departamento de Cardiopneumologia da FMUSP, diretor da Unidade de Medicina Interdisciplinar do Incor e presidente do Departamento de Cardiologia Clínica da SBC (Sociedade Brasileira de Cardiologia).

“A irregularidade crônica do ritmo para dormir e acordar parece ser um novo fator potencial de risco cardiovascular. Fica claro, portanto, que não é só a duração do sono per se, mas também o padrão desta rotina do sono é o que parece realmente se destacar.”

Dr. Luciano Drager, cardiologista.

O estudo mostrou que maiores variações diárias na duração do sono e no tempo para dormir estão associadas ao aumento do risco de doenças cardiovasculares, independente de outros fatores, incluindo fatores de risco cardiovascular, duração do sono e apneia do sono. 

“Após correção pela análise multivariada, os pacientes com desvio-padrão superior a 120 minutos no tempo de duração do sono, indicativo de irregularidade, associou-se à ocorrência de eventos cardiovasculares. De maneira similar, indivíduos com desvio padrão superior a 61 minutos no tempo para dormir, também indicativo de irregularidade, associaram-se à maior ocorrência de eventos”, detalha Dr. Caramelli.

Análise

Para o Dr. Luciano Drager, o estudo reforça a importância do ritmo circadiano, pois a alteração da rotina do sono influencia na liberação normal de hormônios, como a melatonina, o cortisol e outros, prejudicando o ciclo sono-vigília. “Estas alterações podem contribuir para um aumento  da atividade simpática e aumento de marcadores inflamatórios que, em última análise, podem predispor ao surgimento de doenças cardiovasculares”, comenta o professor. 

“A teoria por trás da justificativa para este estudo e a explicação dos resultados é que o sono irregular promoveria profundas modificações no perfil metabólico, influenciando diversos fatores de risco cardiovascular como hipertensão, diabetes, resistência à insulina e dislipidemia”, analisa também Dr. Bruno Caramelli. 

Regularidade faz a diferença 

Para os especialistas consultados pela Revista SONO, o estudo MESA reforça a importância da manutenção de um ritmo regular para dormir e acordar todos os dias. “A irregularidade crônica deste ritmo parece ser um novo fator potencial de risco cardiovascular. Fica claro, portanto, que não é só a duração do sono per se, mas também o padrão desta rotina do sono é o que parece realmente se destacar”, destaca Dr. Luciano Drager.

Segundo o professor, o padrão diário do sono precisa ser visto com mais atenção, utilizando ferramentas objetivas de análise. “A importância deste achado reforça a necessidade de mudarmos a rotina de pacientes com um padrão muito irregular do sono para que não estejam expostos ao risco de ocorrência de eventos cardiovasculares”, analisa Dr. Drager. Dessa forma, mudar hábitos pode ser importante para a manutenção de um padrão regular de sono,mesmo que eventualmente a quantidade deste sono não seja ideal.

Dr. Drager diz que o estudo mostrou que dormir bem é mais do que uma questão de duração do sono. “A rotina do sono parece ser muito importante. Manter um padrão de sono regular, em termos do início do sono e da duração do sono, pode ajudar a proteger o coração”, destaca.

“O sono irregular pode promover profundas modificações no perfil metabólico, influenciando diversos fatores de risco cardiovascular como hipertensão, diabetes, resistência à insulina e dislipidemia.”

Dr. Bruno Caramelli, cardiologista.

O Dr. Bruno Caramelli ressalta, entretanto, que ainda não é possível estabelecer o conceito de fator de risco. O estudo MESA revelou-se um importante trabalho gerador de hipótese que poderá estimular a realização de novos estudos. “São precisos mais estudos e, principalmente, investigar se a intervenção sobre a regularidade do sono reduz o risco cardiovascular, informação necessária para determinar que é um fator de risco, como já foi estabelecido com hiperlipidemia, hipertensão arterial e tabagismo, por exemplo”, analisa Dr. Caramelli. 

Para o professor Caramelli, trata-se de um achado inicial que, se confirmado por estudos adicionais, com populações maiores, poderá indicar que estas variáveis, sono irregular e irregularidade no tempo para dormir são fatores de risco cardiovascular e devem ser investigados na anamnese clínica. “A consistência dos dados e a força da associação reforçam a plausibilidade de que a qualidade do sono é um fator de risco cardiovascular e abrem perspectivas para analisar o efeito de estratégias de aprimoramento da qualidade do sono sobre o risco cardiovascular”, conclui.

Fonte: Por Fabiana Fontainha, Revista Sono – Ed. 21 (Janeiro, Fevereiro e Março 2020)  – Uma publicação da Associação Brasileira do Sono.

Foto: Freepik

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